Bem vindos ao primeiro post da rúbrica #ospéspelasmãos. Aqui irei partilhar convosco as experiências divertidíssimas pelas quais passei enquanto portadora de simbraquidactilia.
No capítulo de hoje começo por partilhar a minha primeira experiência com casamentos. Ah, casamentos! Comida de borla, roupa gira, rever os amigos e a família.
Ou, para uma pessoa portadora de deficiência, um autêntico freak show. As pessoas que já te conhecem não vão pensar muito nisso porque já sabem que a tua deficiência não te define. Já aquelas que não te conhecem...
Permitam-me partilhar convosco um casamento a que fui em 1999. Tinha sete anos.
Durante todo o casamento uma amiga da minha avó parecia bastante interessada em tudo o que eu dizia. Esteve comigo durante a cerimónia, sentou-se ao meu lado quando acabámos de comer apesar de o nome dela não estar escrito nos papelinhos da mesa.
A amiga da minha avó, ao contrário dos outros adultos naquele dia, parecia interessadíssima nos livros que eu lia, nos desenhos que fazia, e nas histórias que eu contava. Estava a gostar imenso de conversar com ela.
Até que decidi ir à casa de banho. Educadamente, disse até já à amiga da minha avó. Ela ficou na mesa a guardar os meus lápis e canetas, enquanto eu ia fazer um xixi rápido. Ou assim pensei. Quando saí da casa de banho ela estava ao pé do lavatório.
Olha, estava a pensar... Como é que tu consegues fazer aquelas coisas todas?
Depois de me recompor do susto consegui formular uma frase, meia surpreendida: Que coisas?
Então! Consegues escrever, desenhar, pintar, és boa aluna...
Eu não estava mesmo a ver onde é que aquela história ia dar.
Como é que consegues? Sabes, com o bracinho.
Garantidamente aquela senhora não me conhecia bem. Senti-me enganada. Achei que ela não tinha reparado porque o meu casaco estava a tapar o meu braço, mas a verdade é que esperou pelo momento certo para me encurralar.
Mostra-me lá o bracinho. Vá lá!
Era dia 8 de Dezembro. Lembro-me perfeitamente do que tinha vestido: um casaco cinzento com pêlo. E não o ia tirar. Normalmente precisava de arregaçar a manga para lavar as duas mãos mas naquele momento decidi que só ia lavar uma. Eu nunca gostei de dar o braço a torcer.
Oh Joaninha mostra lá! Deixa lá a tua amiga ver. Somos amigas, ou não?
Estivemos neste impasse seguramente mais de 5 minutos. Entre "mostra" e "não mostra", na minha cabeça, já tinham passado horas e eu tinha a certeza que aquela senhora me ia prender ali enquanto eu não lhe mostrasse o meu braço. As outras senhoras entravam e saíam da casa de banho mas não davam por nada porque falávamos as duas no tom de voz mais normal possível.
Perante a possibilidade de passar mais tempo ali sozinha, comecei a chorar. Foi aí que uma senhora entrou na casa de banho e perguntou se eu queria que ela chamasse a minha avó. E assim foi. E só me lembro de a minha avó gritar com aquela primeira senhora e eu nunca mais a vi.
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Em 2002, no casamento do meu pai, o fotógrafo pediu-me para pôr as mãos para trás "sabes, para não se notar tanto".
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Em 2008, com 16 anos, fui a um casamento com o meu namorado. Já tinha mais uns anos em cima e alguma capacidade de reacção e resposta perante estas situações.
Mas o universo continua a não conseguir lidar com o facto de eu ter um braço mais pequeno que o outro: as pessoas na minha mesa foram todas avisadas de que iria existir uma menina com uma deficiência. Ok. Talvez seja eu a única pessoa a ver o que está errado aqui.
Fui perseguida por duas primas do meu namorado desde as nove da manhã até à hora em que me vim embora. Aquelas duas almas, mãe e filha, fizeram de tudo para conseguirem dançar ao pé de mim, comer ao pé de mim, respirar ao pé de mim. Estávamos em julho e eu tinha um vestido de alças, julgo que era bastante visível e não era necessário tanto esforço. Mas obrigada, meninas!
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No meu casamento tinha 24 anos e não me podia estar mais a borrifar para o facto de ser deficiente.
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