A minha vida foi igual à de muitas outras crianças até aos meus sete ou oito anos. Passava as manhãs na escola, as tardes com os avós, e o meu círculo social era o mesmo desde sempre: conhecia as crianças da minha turma, algumas de outras turmas, as crianças que encontrava no supermercado ao final do dia, a minha irmã e o meu primo.
Sempre fui uma criança feliz, que não tinha ideia sequer do que era ter complexos. Vivia na minha bolha, tinha as minhas amigas. Tudo normal, aparentemente. Até que comecei a ter educação física - e as coisas que os meus colegas faziam pareciam incrivelmente difíceis para mim. Eu não conseguia dar cambalhotas, não conseguia chegar aos dois pés com as mãos (e uma das mãos chegava bem para lá do pé).
Havia meninos na minha turma que passavam o dia sentados numa mesa à parte, faziam actividades de livros diferentes dos nossos, e nas aulas de educação física não lhes eram pedidos os mesmos exercícios que aos outros meninos. E de repente dei por mim a passar bastante mais tempo com esses meninos.
Até ao dia em que me apercebi que as minhas mãos eram diferentes uma da outra. Olhei para as mãos da minha irmã, com dois anos, e percebi que ela não tinha uma mão "pequenina". A minha mãe e o meu pai também não. Eu nunca tinha conseguido cruzar os braços quando estava chateada e tinha pedido à minha mãe que me ensinasse, mas ela mudava sempre de assunto. Nesse momento uma série de coisas fez sentido e uma série de pensamentos passou por mim:
Um dos meus braços é mais curto que o outro.
Quando há barulhos muito altos eu nunca consigo tapar os dois ouvidos.
Quando aperto os sapatos há sempre um que é mais difícil que o outro.
Quando me atiram uma bola eu tenho que agarrá-la contra o peito.
Quando leio livros deitada na cama um dos braços fica cansado muito depressa.
Por isso é que as luvas me caem da mão.
E o pior pensamento de todos: Será que as outras pessoas reparam? Ou só eu é que consigo ver?
(Provavelmente só eu é que consigo ver. É só uma mão, ninguém repara nas mãos dos outros.)
E passei meia hora fechada na casa de banho dos meus avós, que tinha um espelho até ao chão, e fiquei a admirar cada milímetro do meu braço. Aos meus olhos parecia um braço de bebé, rechonchudo, pequenino, com três dedos apenas, o que o tornava ainda mais querido.
Ninguém vai reparar num braço. É só um braço e eu consigo fazer tudo, só que à minha maneira.
E durante uns anos não voltei a pensar nisto. Era só um braço. Quem me conhecia já sabia que eu era assim, nunca ninguém fez perguntas, e assim vivi tranquila até aos dez anos pensando que nunca ninguém iria reparar.
As pessoas nunca iriam ser más para mim, por causa de uma coisa que eu não posso controlar, certo?
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